Blog do André Gravatá

A violência é extravagante, a não-violência é urgente

André Gravatá

Desde o ano passado, quando aconteceram as primeiras ocupações em escolas de São Paulo, o governo respondeu os fatos inesperados com estratégias de intimidação. É bomba para um lado, gás de pimenta para o outro, arrastamento de corpos para longe. Está explicitamente em voga a pedagogia da violência.

Um episódio alarmante na pedagogia da violência afirmada pelo governo se deu esta semana. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou em nota que eram ''extravagantes'' as condições defendidas por um juiz para a reintegração de posse do Centro Paula Souza.

Quais eram os pedidos ''extravagantes'' para a reintegração? Copio aqui a lista, descrita numa matéria do UOL:
1) Deveria ocorrer diante da presença de Oficial de Justiça;
2) Com acompanhamento do Conselho Tutelar;
3) Sob observância da decisão da 14ª Vara – com apresentação de cópia da decisão de reintegração;
4) Com a presença e sob o comando do secretário de Segurança Pública do Estado;
5) Sem a utilização de qualquer arma, seja letal ou não (como cassetetes, balas de borracha, gás de pimenta, entre outros).

Diga pra mim: onde estão as extravagâncias?
A palavra ''extravagantes'' na nota oficial me chamou atenção. Fui procurar a etimologia: extravagância vem do latim extravagari, cujo significado é ''andar sem rumo''. Vivemos hoje numa realidade em que é extravagante, sem rumo e ineficiente exigir que não se use armas contra jovens secundaristas?

A posição da Secretaria de Segurança sobre o uso de armas, por exemplo, é que a decisão sobre o porte ou não delas deve ser feita pela Polícia Militar. No entanto, essa justificativa não inspira nenhum pingo de confiança. Se olhamos as imagens da presença da polícia nas ocupações, a primeira palavra que salta à mente é brutalidade.

A decisão judicial com ''condições extravagantes'' foi revertida – ou seja, os policiais puderam entrar armados na ocupação. Acabaram não usando seus aparatos belicosos, mas não economizaram na hostilidade. Arrastaram os estudantes para fora com voracidade. Esta sim, uma cena extravagante.

Além de uma disputa em relação a quais mudanças devem acontecer nas escolas (fechá-las ou não, melhorar ou piorar a qualidade merenda etc.), há uma disputa de narrativas. Destaco aqui duas delas, que andam por extremos. A primeira é sobre a guerra, uma palavra dura que já no ano passado apareceu numa reunião na Secretaria de Educação, cujo áudio vazou na internet, na qual o chefe de gabinete da época dizia: ''Temos que ganhar a guerra final. E vamos ganhar''. A narrativa da guerra gera falas como a do vice-governador de São Paulo, que chegou a comparar a ocupação nas ETECs a uma tática nazista. Outra narrativa em movimento é a do diálogo, experimentada nas ocupações a cada vez que uma assembleia de alunos acontece, a cada vez que um professor visita a ocupação para colaborar com seus alunos.

A narrativa do diálogo é a que mais precisa ser entendida, nutrida, espalhada e reforçada, até que seja impossível rotular a não-violência como uma condição extravagante. Até que a não-violência se torne premissa básica para o contato.