Blog do André Gravatá

Poesia não é para almas elevadas, mas sim para almas levadas

André Gravatá

Um dia entreguei uma poesia de presente para uma diretora de escola. Eram versos do querido Manoel de Barros sobre a importância das insignificâncias. A diretora leu a poesia e disse que na escola dela aquele tipo de texto não chamava atenção, que poesia é apenas para almas elevadas. Não consegui respondê-la direito, mas aquela frase ficou na minha cabeça. Poesia é para almas elevadas? Poesia é para almas elevadas?

Até que um dia a frase que virou pergunta se tornou um poema, uma resposta tardia à diretora: Poesia é para almas levadas. Claro! Poesia não é para almas elevadas, mas sim para almas levadas. Para almas que dançam, capazes de se sensibilizar com o que há de mais comum, artesãs da arte de respirar com a pele inteira e pegar na voz do sol.

Esse encontro com a diretora volta e meia se senta à entrada da memória, fica por lá fisgando minha atenção. Assim como uma outra conversa, com o amigo e poeta Nicolas Behr, que um dia visitou uma escola onde as crianças queriam se certificar que ele realmente era um poeta. Na imaginação delas, todos os poetas estavam mortos, então encontrar um representante desta arte ainda vivo era fato extraordinário.

Afastamos a poesia do cotidiano. Mas ela não se afastou de nós, continua bem embaixo do nariz.

Porque poesia não é apenas poema, frase com palavra rebuscada, que rodopia na mente, que rima. Poesia é atenção às insignificâncias, como tão bem nos ensinou Manoel de Barros. Poesia é estranhamento com o familiar. Poesia é espanto que transforma a gente em nascente, encanto que deixa olhar igual caleidoscópio. Se não há percepção de poesia no cotidiano, nossa sensibilidade vira asfalto e nos tornamos mais pobres.

A habilidade do estranhamento com o habitual nos mantém acordados. Senão a flor da pele murcha, o sangue perde cor, tudo vira botão pra apertar, horário para cumprir, chão pra correr.

A beleza da poesia tem a ver também com sua família: ela é parente da leveza. Mesmo quando o espanto que a poesia nos traz abre as cortinas das tragédias e nos faz percebê-las com doloroso pesar, ainda assim a poesia nos deixa respirar. A poesia nos convida a respirar. Num mundo em que o sufocamento é hábito, respirar fundo e pausadamente se torna um ato de desobediência e resgate da sensibilidade.

Para aproximar poesia e educação é essencial ver que a poesia convida a educação a respirar novos ares. Resgatar a poesia no cotidiano e na escola não se faz apenas recitando Manoel de Barros de manhã, tarde e noite. O estado de poesia depende de um corpo poético, que descobre constantemente lugares para olhar com atenção, para levar o estranhamento e o encantamento em passeios.

*Para explorar São Paulo poeticamente, de mãos dadas com a educação, convido vocês a participarem de um projeto que tenho a alegria de compor desde 2014, junto com uma série de pessoas que admiro e que me inspiram muito, chamado Virada Educação. A abertura pública da Virada Educação Centro de SP 2016 acontece hoje, dia 17 de agosto, às 19h, com ponto de encontro na Praça da República. Seguiremos em cortejo, almas levadas pelas ruas com o grupo Ilú Obá de Min (mais detalhes do convite por aqui). É um momento para ocupar o espaço público e o corpo com música, movimento, infância & cor. Em seguida, entre os dias 18-20 de agosto, acontecem mais de cem atividades gratuitas em vários espaços do centro de São Paulo (programação completa aqui).