Por mais objeção de consciência
André Gravatá
Quem me avisou que a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu 15 de maio como o dia do objetor de consciência foi a educadora Lia Diskin, cofundadora da Associação Palas Athena. Ela defende que a expressão “objeção de consciência” seja percebida de maneira ampla e relacionada, por exemplo, com a não aceitação de regras e situações diversas que perpetuam violências.
Quando conversamos sobre atos de objeção de consciência, Lia contou a história da tribo indiana dos bishnois, que resistiu a uma derrubada de árvores ordenada pelo rei da árida região onde moravam, no século 18, e esse ato infelizmente desencadeou tanto um massacre de centenas de bishnois como também uma posterior preservação das árvores em homenagem à coragem que demonstraram. Outro exemplo citado por Lia é a profunda não aceitação do extermínio de crianças que levou a polonesa Irena Sendler a salvar mais de 2500 crianças judias.
Sobre a história de Irena, dedico mais palavras, para olharmos de perto nos olhos dessa mestra em objeção de consciência. No livro A história de Irena Sendler – A mãe das crianças do holocausto, da polonesa Anna Mieszkowska, é possível acompanhar Irena durante a Segunda Guerra Mundial, arriscando sua vida pelas ruas do gueto de Varsóvia.
Em depoimento presente no livro, Irena nos conta que as crianças pequenas eram retiradas do gueto ''principalmente pelo edifício do tribunal de justiça localizado na rua Lezno. Esse prédio tinha duas entradas: uma do lado do gueto e a outra do lado ariano (na rua Ogrodowa). Algumas portas ficavam abertas e, graças à coragem dos zeladores, era possível sair do prédio com uma criança. As crianças também eram levadas para fora do gueto em carros de bombeiros, ambulâncias ou em bondes (…) Algumas crianças eram levadas para fora em sacos, caixas, cestos. Os bebês eram adormecidos e escondidos em caixas especiais com aberturas. Eram levados em ambulâncias (…) nas quais transportávamos para o gueto produtos de desinfecção…”.
Para se ter uma ideia da importância desse ato de objeção de consciência praticado por Irena e seus parceiros de resistência, compartilho as palavras de um educador polonês citado no livro, Feliks Tych, que afirma: a Segunda Guerra Mundial “havia se tornado a primeira guerra da história voltada conscientemente também contra as crianças. Exterminar as crianças tornou-se um dos objetivos de Hitler naquela guerra. Não se tratava de todas as crianças dos países ocupados, mas sim dos representantes de um grupo bem determinado: as crianças judias”.
Enquanto lia o livro, imaginava a conversa entre um casal de judeus e Irena. Reticente, acuado, o casal entrega uma criança nas suas mãos, buscando garantias de sobrevivência do filho, sonhando com um fio de esperança. Que cena inimaginável! Mas aconteceu. Muitas vezes.
Irena faleceu apenas aos 98 anos, em 2008. E hoje, no dia da objeção de consciência, o que Irena está tentando nos lembrar? O que suas ações dizem para nós? Elas afirmam que temos a capacidade de escolha mesmo nas situações mais trágicas e terríveis. E se dar conta disso é libertador e apavorante, pois essa percepção recupera a responsabilidade que carregamos – e frequentemente ignoramos – em cada ação cotidiana. Cada escolha que fazemos é a afirmação ou não de violências.
Tantos e tantos dias começamos listando mentalmente ou até anotando o que vamos fazer… Que tal hoje ser um dia para refletir sobre o que nossa consciência nos convoca a não fazer ou desobedecer?