O que te nutre?
André Gravatá
O que te nutre nestes tempos de tanta barbárie?
Caminhando pelas notícias de ontem, vejo que uma ação da polícia deixou 10 mortos no Pará, o episódio de disputa agrária mais violento desde o massacre de Eldorado do Carajás, em 1996. Há também notícias sobre o desastroso programa de Dória para a região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo. Há fotos de 12 dos 22 mortos no atentado em Manchester, no Reino Unido. Na maioria dessas notícias os acontecimentos são narrados friamente, como se não merecessem espanto profundo, arrepios, indignação.
Desnutrimos nosso olhar a cada notícia que apenas reforça em nós a normalidade da barbárie. Desnutrimos nosso corpo a cada vez que agimos de maneira a reforçar no mundo a normalidade da violência. E espalhamos essa aridez a cada vez que compartilhamos pedaços de deserto com as outras pessoas.
Por isso é tão importante a pergunta “o que te nutre?”. Como disse o rapper Criolo durante uma visita à ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) num trecho da Av. Paulista, em fevereiro deste ano: “Cada um dá o que tem… Quem tem ódio, dá ódio porque nunca ensinaram outra coisa para essa pessoa”. Se só nos nutrirmos de frieza e ódio, compartilharemos frieza e ódio. O que te nutre? Indiferença? Ódio? Como nos nutrirmos para então também nutrirmos os outros?
Insisto na pergunta “o que te nutre?” porque ela é também o tema da Ciranda de Filmes deste ano. A Ciranda é uma mostra de cinema e vivências que insiste na relevância da arte como linguagem para nutrir a vida. É um convite para ganhar fôlego. A Ciranda vai até domingo, dia 28 de maio, com diversas atividades gratuitas, em SP.
Ontem participei como mediador de uma roda de conversa que reuniu o educador Reinaldo Nascimento, da pedagogia de emergência, a educadora Poty Poran, da Escola Estadual Indígena Krukutu e a Sonia Hirsch, jornalista e especialista em despertar nas pessoas o desejo de saúde. Durante o encontro, compartilhei a pergunta: O que hoje vemos como normal, mas que não deveríamos considerar normal de maneira nenhuma?
A Poran disse que até hoje há quem olhe para os indígenas como se fossem estrangeiros no Brasil, e isso é um absurdo. A Sonia falou sobre acharmos normal que as crianças comam salsicha e outros alimentos de mentira na merenda escolar. O Reinaldo mencionou o quanto nos acostumamos com crianças pedindo dinheiro na rua. Nessa conversa, nutrimos nosso espanto e nossa sensibilidade com histórias de vida, com a poesia que é vivida. E é de mais encontros assim que precisamos. De mais ouvidos abertos, de uma linguagem que nos aproxime.
Se cada um dá o que tem, o que você tem? O que você nutre e o que te nutre são perguntas parentes, que apontam a nossa responsabilidade em nos mantermos acordados, em não morrermos intoxicados pela indiferença.