Blog do André Gravatá

Chutar o balde é coisa do passado, agora é hora de chutar os banquinhos

André Gravatá

O querido escritor Eduardo Galeano conta, n'O Livro dos Abraços, que havia um quartel onde soldados montavam guarda para um banquinho.

De geração em geração,
os oficiais repetiam a regra
e todos os soldados obedeciam:
ficavam ao lado do banquinho,
dia e noite,
todo dia.

Não questionavam.

Só repetiam.

A guarda para o banquinho era sagrada,
inevitável.

Galeano conta que ''… assim continuou sendo feito até que alguém, não sei qual general ou coronel, quis conhecer a ordem original''. Revirou os arquivos e depois de muito escavar o passado, descobriu que há mais de 30 anos um oficial tinha ordenado que se montasse guarda para um banquinho recém-pintado, para evitar que sentassem na tinta fresca.

Recontando hoje essa história, um momento se destacou diante dos meus olhos, profundamente: o exato instante em que alguém se pergunta se o que está sendo repetido até agora tem sentido. E se move para investigar o porquê da repetição, para quem sabe desconstruí-la.

Sem dúvidas uma parte bem relevante do nosso tempo é dedicada ao lado de banquinhos. E o pior, como somos capazes de sofisticar nossa cegueira, chegamos muitas vezes ao ponto de descobrir as justificativas absurdas para guardar certos banquinhos e mesmo assim, indignados, desgastados, insistimos na repetição do que já se provou vazio de sentido.

Estico aqui a metáfora de Galeano, com palavras que alargam a história para revelar o absurdo… Assim continuou sendo feito até que alguém, não sei qual general ou coronel, quis conhecer a ordem original. Revirou os arquivos e depois de muito escavar o passado, descobriu que há mais de 30 anos um oficial tinha ordenado que se montasse guarda para um banquinho recém-pintado, para evitar que sentassem em tinta fresca. Daí os soldados continuaram montando guarda para o banquinho. O hábito havia se enraizado tanto no corpo deles, que montar essa guarda fazia parte da identidade de cada um.

Ou seja,
não é suficiente descobrir
que fazer guarda para o banquinho
é desnecessário.
Despregar nossas raízes dos banquinhos,
que já se tornaram partes de nós,
é um ato poético/político,
nos arrancaria da areia movediça do passado
que insistimos em trazer para o presente.