Blog do André Gravatá

Como se aprende a cuidar do espaço público?

André Gravatá

''Nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela, ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular.''

A frase acima tem cheiro de presente ou de passado? Você diria que essas palavras foram ditas em que época?

É uma frase sobre o Brasil de 1630.

Repito: 1630.

São palavras do frei Vicente do Salvador, um religioso franciscano, autor do livro ''História do Brazil''. Encontrei essa frase no livro ''Brasil, uma biografia'', das autoras Lilia Moritz Schwarcz e Heloísa Starling.

Se em 1630 o dilema era o traiçoeiro descuido com bem público, o que podemos dizer sobre hoje? Este ano, em conversa com o educador colombiano Bernardo Toro, ouvi dele que cuidar do espaço público é cuidar dos desconhecidos. É cuidar de quem não sabemos quem é, mas que pode também usufruir do bem comum. É cuidar de si mesmo, já que somos desconhecidos para tantos outros.

Se cuidar do espaço público é uma tentativa de deixar pra trás as palavras de 1630; se cuidar do espaço público é prestar atenção nos desconhecidos (e haja desconhecidos num país como o Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes); como se aprende a cuidar do espaço público? Que país teríamos se as escolas fossem lugares onde aprender a cuidar do espaço público se tornasse prioridade?

Na periferia de São Paulo, na Vila Palmares, jovens da EMEF Marili Dias criaram um Fórum Participativo pra aproximar a escola do seu território. O projeto surgiu de um debate sobre os problemas do bairro e, depois de articulações com a subprefeitura, o grupo conseguiu que ruas sem iluminação ganhassem postes de luz, ruas fossem asfaltadas e calçadas construídas. Recentemente, alunos dessa mesma escola organizaram um mutirão para embelezar a escola. Nas palavras que divulgaram nas suas redes sociais, diziam que os alunos entenderam que a luta pelo espaço público de qualidade começa quando a participação é coletiva e democrática.

Essa ação que nasceu com os jovens da EMEF Marili Dias vê a cidade como educadora, ocupa o espaço público com cuidado e criatividade.

Para deixarmos para trás a frase de 1630, precisamos repetir a pergunta ''como se aprende a cuidar do espaço público?'' todo dia, escrevê-la pelas paredes do olhar, do território, para resgatarmos sua importância e, mais ainda, experimentarmos respostas concretas que permitam um desvio na nossa extensa história de desprezo pelo bem comum.

*Conheci o projeto dos jovens de Vila Palmares por meio do Criativos da Escola, uma iniciativa que mapeia e premia ações de protagonismo de crianças e jovens pelo Brasil. As inscrições para o Desafio de 2016 vão até dia 15 de outubro, então quem realizar ou conhecer projetos de protagonismo infanto-juvenil entre em www.criativosdaescola.com.br.